Nas últimas semanas dois assuntos vêm sendo bastante comentados nas redes sociais: a estreia da adaptação de um jogo para as telinhas, pela HBO, e a utilização de um chatbot com inteligência artificial capaz de responder qualquer pergunta, criado pela OpenAI.
O primeiro, The Last of Us, é um produto da ficção científica que se passa num futuro onde a humanidade foi quase que completamente dizimada por uma doença causada pelo fungo Cordyceps. Apesar de ser uma história fictícia, o fungo causador da doença existe na vida real. Já o segundo, o ChatGPT, é um produto real que mais parece ter saído de uma obra de ficção científica. E podemos de fato listar inúmeros chatbots da ficção antecessores ao real, sendo talvez o mais famoso deles o J.A.R.V.I.S. do filme Homem de Ferro (2008).
Em ambos os casos vemos que a ficção científica e a vida real estão mais próximas do que pensamos. Além disso, todos nós nos deparamos pelo menos uma vez com uma situação real que a ficção científica previu anos antes. “Isso é tão Black Mirror” já virou uma frase do nosso cotidiano. Mas afinal, como se dá o impacto da ficção científica na vida real e como essas áreas se retroalimentam?
Entendendo a ficção científica
A ficção científica é um gênero bem difundido em todo o mundo. Iniciada nos livros, esse tipo de obra já transcendeu as páginas e hoje está presente também nas telinhas da TV e nos telões do cinema. Grandes produções, como Duna, Avatar 2, Jurassic World, The Last of Us e Black Mirror, lançadas nos cinemas e na TV, fazem sucesso e encantam milhões de pessoas ao redor do mundo.
A ficção científica surgiu na literatura com a obra Frankenstein, ou o Prometeu Moderno, de Mary Shelley, publicada em 1818. Anos mais tarde, ela se consolidou como gênero graças a dois escritores principais: Júlio Verne, escritor francês que, com suas obras, seguia uma linha voltada às invenções tecnológicas e à aventura. Contribuiu com várias obras, como Vinte Mil Léguas Submarinas e Viagem ao Centro da Terra; H. G. Wells, por outro lado, voltava-se para as relações humanas e sociais, com obras como O Homem Invisível, A Máquina do Tempo e A Guerra dos Mundos (PIASSI, 2007, p. 90).
A principal característica deste gênero é a presença da ciência ou das máquinas ou aparelhos tecnológicos mais avançados que os já existentes. No entanto, “o interesse fundamental da ficção científica encontra-se na relação entre o homem e sua tecnologia e entre o homem e o universo” (ALLEN, 1976, p. 207). Por conta dessa relação com a ciência, a ficção científica, muitas vezes, antecipa acontecimentos futuros, mesmo não sendo o seu objetivo. Os autores utilizam os conhecimentos científicos já existentes no momento da escrita para imaginar um futuro a partir desses saberes e, às vezes, esse futuro imaginado realmente ocorre.
A ficção científica e os avanços tecnológicos
Apesar de serem fictícias, as histórias de ficção científica têm como base a ciência real e corrente. Assim, mesmo criando um mundo novo, imaginado e irreal, suas narrativas partem do que é real e apresentam verdades científicas. Por outro lado, o inverso também ocorre: muitas das invenções tecnológicas existentes nos dias de hoje foram criadas por influência daquelas imaginadas nos livros de ficção científica. Isso porque o gênero desperta o pensamento ilógico e criativo, fundamentado na realidade, oferecendo novos pontos de vista a serem explorados. Logo, a ciência e a ficção científica estão intrinsecamente ligadas. Elas se influenciam reciprocamente, podendo afetar o rumo que seguirão.
O autor Júlio Verne, por exemplo, introduziu em seus livros inventos tecnológicos que previram aparelhos existentes hoje. Sua contribuição mais famosa é, sem dúvidas, o submarino Nautilus, presente no livro Vinte Mil Léguas Submarinas (1870). E, apesar de já haverem ideias e protótipos anteriores acerca desse invento, como o de Leonardo da Vinci, “o pai do submarino moderno, Simon Lake foi fisgado pela ideia da possibilidade das viagens e explorações submarinas desde que leu Vinte Mil Léguas Submarinas de Jules Verne” (PORTO, 2017). Assim, mesmo sem inventar, de fato, o submarino, Verne maravilhou e inspirou seus leitores, fazendo-os acreditar que a existência dessa máquina fascinante era possível. No mesmo livro sobre viagens subaquáticas, “encontram-se outras idéias de antecipação, como por exemplo, o escafandro dos mergulhadores e uso da energia elétrica como fonte de luz e de movimento” (MOURÃO, 2005, n.p.).
Outro exemplo é o autor William Gibson, que cunhou o ciberespaço em sua obra-prima "Neuromancer", de 1984. Hoje, o ciberespaço tem se tornado cada vez mais comum, com óculos de realidade virtual capazes de levar o seu usuário a diversas localidades e situações sem sair do lugar. Assim como Verne e Gibson, outros inúmeros autores contribuíram com avanços tecnológicos. Caso decidissem dedicar suas vidas para além da escrita, esses autores seriam ótimos inventores.
A ficção científica e a crítica social
Além da contribuição para os avanços tecnológicos, os enredos de ficção científica também contribuem para o entendimento da sociedade em que vivemos e para a revelação dos problemas sociais que enfrentamos. Ela também pode ser usada para lembrar de erros passados que não devem ser repetidos, como os regimes totalitários, por exemplo.
Diversos autores de ficção científica utilizam uma sociedade futurística imaginada para representar a nossa sociedade, abordando problemas reais. Podemos citar como exemplos várias obras clássicas, como 1984, Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451. Nesse gênero também é comum a impressão dos medos futuros gerados pela ciência. Muitas histórias aparecem num tempo futuro pós-apocalíptico, onde o mundo foi devastado por uma guerra nuclear ou os recursos naturais que aqui existiam foram destruídos pela má relação do homem com o meio ambiente. Logo, a ficção científica também explora os rumos horríveis que a sociedade pode tomar, numa tentativa de alertar as pessoas para os efeitos negativos da ciência.
Dessa forma, não devemos ler as histórias de ficção científica com um pensamento de irrealidade e fantasia pré-estabelecido. Devemos analisar todos os fatores presentes nela, que podem nos contar muito sobre como vivemos e sobre como nos relacionamos com as tecnologias à nossa volta.