O best-seller “Crying in H Mart: A memoir ” (traduzido para o português-brasileiro em “Aos Prantos no Mercado”) da americana-coreana Michelle Zauner, traz a comida coreana como um elemento imprescindível para a reafirmação de sua origem coreana. Relata o enfrentamento do luto e a crise de identidade vivenciada constantemente pela autora. Oriunda de pai judeu-americano e mãe sul coreana, em sua obra autobiográfica a autora descreve em suas lembranças da infância até a fase adulta os desafios de como é ser “metade coreana” e “metade americana” ou até mesmo chegando em si indagar como “nenhuma dos dois” ao ser criada em meio ao choque de culturas.
Zauner despertou a curiosidade de diversas personalidades, estreando em segundo lugar na lista de best-sellers do jornal The New York Times e ainda permaneceu 60 semanas na lista de obras de não-ficção sendo aclamado pela crítica especializada do Publishers Weekly e premiado como melhor autobiografia de 2021 pela Goodreeds Choice Awards, aparecendo na lista de livros selecionados pelo ex-presidente estadunidense Barack Obama. Foi através de suas memórias pessoais que a artista aborda temas como o choque de cultura, a crise de identidade, a dificuldade nos relacionamentos interpessoais familiares e a paixão pela culinária sul coreana. A comida para autora é o elo que une a cantora a sua falecida mãe, em meio as crises, a culinária serviu como bote salva-vidas para resgatá-la das dificuldades quanto ao luto, reafirmação e o orgulho de sua identidade.
Apesar de ter nascido em Seul, na Coréia do Sul, a artista diz no livro de que não teve tempo suficiente para ter aprendido o idioma e de que ao mudar-se para os Estados Unidos seus pais só falavam inglês e ela era muito pequena. Quando ia visitar a sua avó, tia e primo na Coréia ela se sentia um pouco deslocada por conta da dificuldade em se comunicar, e sentia-se fora de seu local de origem mas isso não a impedia de admirar a sua cultura. Até mesmo demonstrando indignação por não ter aprendido a língua de sua mãe. Contudo, a única forma de se comunicar com a sua família era através da comida, ela sempre se esforçou para agradar e impressionar a sua mãe e os seus parentes ao degustar kimchi e tteokbokki e vinha em sua memória quando a família se reunia para comer. Zauner a partir daí começa a tentar se comunicar através da apreciação em comum onde ela e sua mãe compartilhavam: a culinária sul-coreana.
Além de trabalhar em restaurantes como garçonete a fim de ser mais independente ela também toca guitarra até montar o seu projeto Little Big League, e depois o projeto Japanese Breakfast (que sou fã!). Ao mudar-se para Nova York em sua juventude, a autora se dividia entre fazer shows e bicos de cozinheira. E esse cenário de bandas de garagem são característicos na cultura norte-americana e Michelle já expressou em diversas entrevistas o amor pelo cenário independente musical tocando com Jeff Tweedy da banda Wilco.
A obra é relevante porque ilustra os aspectos socioculturais como o choque das culturas estadunidense e coreana e os impactos quanto a reafirmação da identidade da autora que se encontra deveras perdida, até mesmo no ambiente escolar ela tentava parecer “menos coreana” e passou a esconder resquícios de sua identidade para não sofrer racismo. Quando adolescente evitava levar a comida coreana feita por sua mãe para comer no intervalo da escola, quando a fim de tentar se encaixar para sentir-se mais aceita pelos colegas, ou seja, “mais americana” possível. Tempos depois, a autora tenta novamente, uma reintrodução durante a fase adulta, quando começou a amadurecer e ir em busca de sua identidade. Assim, observamos o quanto foi importante o papel da culinária coreana no resgate de sua própria origem para as crises de identidade vivenciadas pela autora.